"Melhor não irmos até lá". Foi a resposta que tive ao perguntar se poderia conhecer mais do bairro para a criação da pintura. "As marcas vermelhas na parede sinalizam o limite", explicaram. Insisti um pouco mais para conseguir registrar a paisagem retratada na obra. "Só até ali" eu disse. E fomos. Alguns elementos da paisagem que via me encantavam. A curvatura do Igarapé que se esconde por entre as casas irregulares. A mangabeira invadindo o leito criando um refresco de sombra no calor de Manaus. A ponte. A ponte de madeira improvisada e perigosa unindo os dois lados do rio carrega tanto significado que não poderia deixar de estar na obra. Ela é a minha simbólica protagonista.
Com os registros em mãos voltamos ao REUSA, construção sustentável, sede de inúmeras oficinas e encontros inesperados. Me aloquei no segundo andar (de três), enquanto as mulheres trançavam tecido no andar de baixo criando lindos cachepôs e tapetes. Algumas horas depois dividimos um delicioso Jaraqui no almoço, acompanhado de arroz e farinha amarela. Éramos em quatro sentadas a mesa. Dona Cris, a idealizadora e líder do movimento, compartilhou comigo algumas histórias sobre como na pandemia elas, as artesãs do REUSA, trabalharam incansavelmente chegando a produzir e doar 20.000 máscaras, salvando milhares de vidas. Contou sobre a morte de seu filho em 2019 que até hoje não se sabe como nem porque ocorreu. Lembrou-se dos lindos almoços que promovia no REUSA unindo manauaras e refugiados, cada um trazendo um prato típico de sua terra. Confessou um dia ter receado dar boas vindas aos Venezuelanos, porém hoje fazem parte da família.
Conforme os pratos foram esvaziando, mais mulheres foram chegando e se sentando à mesa para a oficina de costura que começaria em instantes. Iriam trabalhar em absorventes reutilizáveis, um novo movimento do grupo. Retomei a pintura, com algumas visitas durante o processo. Por todas elas possuírem o lado criativo e habilidade manual avançados, trocamos valiosas figurinhas sobre diferentes estilos de arte. Ao final, uma delas, a Maiara, me acompanhou até a rua mais próxima para chamar o Uber.
No momento em que escrevo esse relato, a obra ainda não está pronta. Eu a trouxe para o ateliê, toda embalada dentro na mala. Agora se encontra pendurada na parede, esperando por mais elementos de história e criação a vestirem. Esperando para registrar esse momento, esse lugar, essa história, essas mulheres.